Imagens no Ensino de História: fragmentos, vestígios e ecos antigos



Quando dei início a esses escritos, que buscam discutir o uso de imagens em sala de aula, o aleatório do Spotify tocou Futuros Amantes do Chico. Coincidências à parte, resolvi refletir a letra e articulá-la com a proposta inicial. 

Na poesia de Chico Buarque, os escafandristas, que submergindo numa cidade que fora imersa pela ação do mar, encontram fragmentos de uma antiga paixão, vestígios de uma estranha civilização: cartas, poemas, mentiras, retratos, possibilitariam a existência de um amor passado no futuro.

Assim, vamos pensar nos escafandristas como historiadores e professores de História, que buscam, nos vestígios de civilizações, desvelar o silêncio contido no "fundo de armário". A imagem, o retrato, ou, as "imagens tecnológicas", como prefere chamar Bittencourt (2009), nos são dadas para análise e percepção do passado naquilo que se esconde nela. Dependerá de nossa exploração vir a tona "o eco de antigas palavras", desejos, manifestações sociais e do Estado, permitido pela iconologia e iconografia. 

Preparados, escafandristas?

Uso de imagens na sala de aula

Recorre-se constantemente ao uso de imagens em sala de aula ou como ilustração, no sentido mais lato da palavra, ou como alternativa à fatiga. Nos dois casos se tem uma perspectiva errônea do uso dessa ferramenta, primeiro por perder de vista sua capacidade de contextualização, seja social, política, artística, bem como de críticas que podem surgir em decorrência de certos viesses para atender interesses particulares ou do Estado. Segundo, porque ao buscar utilizar a imagem para quebrar a rotina, sem a análise iconográfica e iconológica a que se faz necessário, corre-se risco de banalizar seus sentidos e, como num ciclo vicioso, cair na perspectiva da ilustração. 

Entendemos os limites da sala de aula e da própria formação do professor. Mas buscaremos apresentar brevemente o uso desse recurso para um ensino de História "prazeroso e consequentemente", não podemos esquecer desses elementos.

Um pouco de teoria

Documentos não escritos na sala de aula, é possível essa articulação? Sim. Não se busca com isso formar historiadores na educação básica, mas, construir junto aos alunos, a noção de tempo, espaço e sujeitos históricos a partir de fontes que nos informam do passado, no caso das imagens (aqui incluídas as imagens digitais), representações que merecem ser entendidas e percebidas não como diversão, mas produto cultural (BITTENCOURT, 2009). Deve-se ter em mente que essas imagens não foram produzidas como material didático, da mesma forma que não foram produzidas para serem fontes históricas, mas a partir de suas especificidades, o professor precisa lançar mão de metodologias para seu uso. É a transposição da imagem do campo da ilustração para o uso como material didático que potencializará seu uso. 

Se pensado o uso da imagem mediado pela experiência é possível até mesmo discutir a importância da imagem no entendimento daqueles conceitos que trabalhos na história. Como discutido por Guimarães (2012) elas ampliam o olhar, desenvolvem o senso de observação, crítica e da criatividade.

Experiências


Algo interessante foi esboçado por Costa, Lima, Oliveira et al (2017), quando, em análise de livro didático do primeiro ano do ensino médio utilizado em uma escola no Ceará, inovaram por tomar um elemento alheio às atividades de muitos professores ao analisar a capa do livro. Não se assuste: os autores fundamentam sua escolha e o cenário de produção da imagem contida na capa. Com isso fazem um duplo movimento: o de entender a produção do livro didático e o de apresentar recursos outros que possibilitam o uso da imagem na sala de aula. Afinal, todos os alunos estariam com aquela imagem em suas mãos. Os autores justificam que, 
Como construto metodológico para análise do material utilizamos os aspectos apontados por Bittencourt (2009), no que compreende a forma, o conteúdo histórico e o conteúdo pedagógico do livro didático, e que merecem atenção especial. Por isso, julgamos necessário antes de discutir seu conteúdo histórico perceber a forma como ele é apresentado aos seus consumidores e os meios utilizados para atrair seu destinatário, quando entendemos o livro como mercadoria da indústria cultural (COSTA, LIMA, OLIVEIRA et al, 2017, p. 7-8).
De acordo com o artigo dos pesquisadores (alunos do Curso de História da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB/CE) aspectos como capa e apresentação dizem muito sobre um livro didático. A publicação por eles analisada, Vainfas et al (2013) trazia na capa a obra Vista da cidade Maurícia e do Recife, de Frans Post (1953). Como sabemos, Frans Post é uma das referências importantes da época do Brasil holandês e sua pintura é uma das poucas retratações desse período, ele foi vinculado ao projeto Nassau. A Cidade Maurícia foi fundada por Mauricio de Nassau quando este foi nomeado pelas Companhias das Índias Ocidentais como governador-geral no Recife. Segundo Schwarcz e Starling (2015, p. 61), buscava Nassau com essa construção “[...] uma réplica tropical da capital holandesa, com traçados geométricos e canais”.



Fonte: Costa, Lima, Oliveira et al (2017, p. 9)

Acreditamos que o uso dessa capa é adequado principalmente pelas discussões colocadas no capítulo por eles analisado, mas, consideramos que um professor ao tomar essa capa e a imagem que há nela como ferramenta deva utiliza-la como documento, não só como ilustração, superando assim os limites de uma história positivista. Ora, o aluno pode ser interpelado pelo professor a relatar a imagem da capa com o conteúdo. Assim, conforme Bittencourt (2009) o aluno conhecerá as possibilidades de usos da iconografia, situando-a num contexto histórico, bem como a própria construção do material didático.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS


BITTENCOURT, C. M. F.. Livros e materiais didáticos de História. In: Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009. p. 295-324.

COSTA, A. G; LIMA, A. N. G.; OLIVEIRA, A. V. S. et al. Analise do livro didático História 1: das sociedades sem estado às monarquias absolutistas (VAINFAS ET AL, 2013). Acarape: UNILAB, 2017. 

GUIMARÃES, S. Didática e prática de ensino de História. Campinas: Papirus, 2012.

SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Tão doce como amarga: a civilização do açúcar. In: Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 412-436.

VAINFAS, R. et al. História 1: das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

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