Cartografia e Religião: A Influência Cristã na Cartografia


Por Adriana Girão e Willian Almeida

Já observamos que o uso da imagem é fundamental para compreendermos o universo social em que viviam determinadas comunidades, de modo a nos apropriarmos de seus valores partilhados em coletividade. As expressões visuais influenciam nosso pensamento e nossa perspectiva de mundo sobre a produção humana em um determinado tempo e espaço, num conjunto de evidências históricas de sociabilização de experiências, de representação de uma realidade.

Deste modo, partimos da análise de como as comunidades da Antiguidade faziam seus registros para auxiliar as suas localizações e suas atividades nos trabalhos diários e nas expedições. O conceito geográfico e cartográfico cristão produziu vários mapas-múndi medievais, em que a divisão fluvial das terras se direcionava a um elemento centralizador: Jerusalém. Consequentemente, a Idade Média foi um período marcado de forte influência religiosa, em que o império romano se concentrava no medievo europeu. A respeito, pontua BOORSTIN (1989):

"O dogma cristão e a tradição bíblica impuseram outras ficções da imaginação teológica ao mapa do Mundo. Os próprios mapas tornaram-se guias dos artigos da Fé. Cada episódio e cada lugar mencionados nas Escrituras exigia uma localização e tornava-se um prélio para os geógrafos cristãos. Um desses pontos era o Jardim do Éden" (BOORSTIN 1989, p.105)
  
A produção cartográfica europeia fundamentou-se na religião como sendo o cerne de interligação entre os continentes Ásia, Europa e África. Esses seriam povoados pela descendência de Noé: Shem (Ásia), Jafet (Europa) e Cam (África). A Igreja seria o elemento convergente de uma homogeneidade do globo, ocupando sempre o locus central nos mapas. A exemplo, o Mapa T em O, elaborado no sec. VII pelo cardeal Isidoro de Sevilha (O disco de Isidoro), possibilita-nos compreender esse cenário de dominação religiosa: A terra representada num disco plano e circundada de água , a cruz no centro ratificando a influência da trindade cristã (pai, filho e espírito santo), marcando a divisão continental no Mar Mediterrâneo, e o formato de “O” representa um núcleo, o círculo oceânico de um universo conciso. Além do comando religioso, a igreja influenciava a forma de organização social e a expansão do conhecimento. É o que justifica, portanto, o Teocentrismo, os fenômenos compreendidos a partir da Bíblia. Nesse aspecto, a função teológica seria a de unificação do conhecimento, considerando Deus como um catalizador.

Contudo, é importante analisarmos a mensagem subliminar da disposição dos continentes neste mapa: Observamos que a Ásia tem um tamanho proporcional à junção dos outros continentes, isso porque acreditava-se que o paraíso cristão do Édem localizava-se na Ásia, portanto, este continente situa-se na posição superior.


Mapa T em O
De certo, além das vertentes geográficas, podemos considerar outros elementos representativos, que marcavam a cultura e o modo de vida daquelas comunidades: “[...] os pontos cardeais, terras distantes, histórias da bíblia, mitologia, fauna, flora. Torna-se, portanto, um compêndio do conhecimento que havia na época [...]” ( GURGEL, p.54).

De acordo com Gurgel, o conhecimento produzido na Idade Média vai muito mais além do que a historiografia comum nos propõe até hoje. É importante analisarmos a conjuntura que guiava a população medieval e os fundamentos que a orientavam. Para tanto, foi substancial compreendermos essa vertente através da diagramação da Terra na perspectiva de Isidoro sob o desígnio catequético que predominava na geografia da Alta Idade Média.

Os mapas, inicialmente, são representações do imaginário da Terra. Representações baseadas em crenças, visualizações, imaginação, historias orais contadas por outros viajantes, seguindo regras das leis criadas pelo homem. Muito além das representações, as construções cartográficas são criações do mundo em forma de mapa. São criações do real imaginado. Lucas Montalvão Rabelo pontua:


"Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade.” Essa noção permite eliminar do campo deanálise a tradicional separação entre o real e o não real. Pois, tudo que épercebido pelo homem, e que ele dá sentido é construído socialmente einternamente em seu intelecto. Não existe realidade por si, ela estádiretamente ligada à lógica interna que os homens atribuem a qualquer coisa."(2015, p. 164) 


O uso da cartografia foi imprescindível para as navegações entre os séculos. A interveniência cristã é tamanha que os mapas, desde os mais antigos, até os atuais, possuem influências em suas construções. Na Idade Média, o cristianismo transcendia uma religião, significava, portanto, uma modo de vida e formas de se entender o mundo através das crenças. Na imagem a seguir, é perceptível a construção religiosa do mapa. Desenhada por Heinring Bunting (1545-1606) em trevo de três folhas, respectivamente Europa, Ásia e África. No centro do desenho está Jerusalém, propositalmente para mostrar que Jerusalém é o centro do mundo. Bunting era um pastor e teólogo protestante, no seu livro Travel Book Through Holy Scripture (1581) ele apresenta esse e outras cartografias semelhantes.


Bunting world's map. Desenhado pelo teólogo, pastor e cartógrafo Heinrich Bunting, publicado em 1581.


Além do geocentrismo cristão, observamos a predominância dos monstros no mar, essas figuras míticas eram propositalmente desenhadas para alertar aos navegadores dos perigos mundo afora, reforçando a ideia de terras selvagens e incentivando os navegadores a ficarem nas terras “sagradas”. Embora fossem construções imaginadas, havia uma certa crença sobre esses seres. Os contos dos navegadores sobre os diversos monstros, sereias, fantasmas, relatórios de viagens que alimentaram o imaginário, reforçados pela religiosidade. A partir do momento que a cartografia passa a ser elemento ilustrativo dos textos litúrgicos, os homens passaram a usar os mapas-múndi circulares. As outras representações cartográficas vieram posteriormente, mapas produzidos por avulsos como Ebstorf e Hereford.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

GURGEL, A. C. Mercator e sua contribuição à cartografia e ao estudo dos mapas. 2012. 114 f. Dissertação (Mestrado em História da Ciência) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/13265

RABELO, L. M. Os mapas na Idade Média: representações das concepções religiosas e das influências da Antiguidade Clássica, Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 7, n. 1 (jan./abr. 2015) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2015. Disponível em: https://seer.ufmg.br/index.php/temporalidades/article/view/3288/2463

Sites Consultados: 



Governo do Estado do Paraná – Secretaria da Educação. Link: http://www.geografia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=401&evento=5. Acesso em 27/05/2018

Geografia e Utopias Medievais: BOORSTIN 1989, p.105. In: http://www.geocities.ws/pensamentobr/IMAGOcapel.htm






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